quarta-feira, 19 de setembro de 2007

«Todos nascemos benfiquistas mas depois alguns crescem» de Joel Neto

O aparente absurdo do título do livro (Editora A Esfera dos Livros) é mesmo aparente. Nascemos no país do delírio das «papoilas saltitantes» que envolve quase tudo e paralisa quase todos. Fundado em 1908, o Sport Lisboa e Benfica festejou o «centenário» em 2004 e quase toda a gente se calou. Sempre que termina um campeonato lá vem a lista com as Ligas de 1934/8 que insistem em chamar campeonatos quando o único campeonato que se disputou entre 1934 e 1938 foi o Campeonato de Portugal. Joel Neto pega no assunto pelo lado da ironia: «Era muito mais bonita a vida se todos pudéssemos viver juntos esse permanente sonho de crianças. Vamos ter 300 mil sócios! O Rui Costa ainda só tem 25 anos! Vamos fazer um dream team!»
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Os textos deste livro oscilam entre a memória e a crítica: «Quando hoje folheio velhos álbuns de fotografias e vejo as centenas de automóveis que nos anos 80 estacionavam na cabeceira do Municipal de Angra do Heroísmo para apitarem os golos de um Lusitânia-Angrense, não posso deixar de lamentar que essa emblemática instituição da minha cidade tenha desaparecido. O derby. Entretanto vieram os construtores civis e os empreiteiros – e nós acendemos o televisor. A seguir vieram os empresários das águas e dos pneus – e nós instalámos a televisão por cabo. Agora estão aí os investidores e os líderes dos fundos de investimento – e nós já comprámos descodificadores para os canais de acesso condicionado.» A paixão tem como alicerce os relatos: «A bola ainda mal passara o meio-campo e já o relator se punha aos gritos. Ninguém o levava a sério. O relato era diferente do jogo.»
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Para o autor gostar de futebol é um contexto – uma história de vida: «abro o almanaque do centenário do Sporting e aquilo quase parece a minha biografia, contada domingo a domingo.» O futebol confunde-se com a vida: «recuperamos a infância. Uma vez por semana. É isto o futebol. Para mim. Às vezes dizem que o futebol é uma metáfora da vida. Metáfora é a pomba branca – futebol é vida.» Mas também a morte está na crónica sobre Fernando Valadão, o dirigente que levava os miúdos da Terra Chã num Volkswagen pão-de-forma encarnado, ilha fora, à chuva e ao vento: «morreu com leptospirose, doença propagada através da urina dos ratos (…) E sei que o Valentim Loureiro e o Pinto da Costa e o João Bartolomeu jamais morreriam de uma doença propagada por ratos. Eles sãos os ratos.»

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